Conheça a verdadeira história da Revolução Constitucionalista

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Conheça a verdadeira história da Revolução Constitucionalista

A Proclamação da República, em 1889, ao contrário do que muitos imaginam não implantou a democracia em nosso país. Os bem intencionados republicanos d

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A Proclamação da República, em 1889, ao contrário do que muitos imaginam não implantou a democracia em nosso país. Os bem intencionados republicanos do século XIX, como Benjamin Constant, Quintino Bocaiuva e José do Patrocínio, não imaginavam que por trás do golpe promovido pelos militares que surpreendeu até Dom Pedro, havia fazendeiros e comerciantes ligados ao café paulista com intenções somente de ampliar o comércio do produto no exterior.

São Paulo deixava de ser a província interiorana afastada dos negócios e dos interesses da capital federal. A partir da República, a metrópole insurgente passou a ser reconhecida como a “locomotiva do Brasil”, embora os políticos nordestinos rebatessem dizendo que a “locomotiva seguia puxando 20 vagões vazios”. Verdade é que durante os 41 anos da República Velha a política foi a mesma: se mudavam os presidentes, mas o objetivo era sempre o de defender a autonomia do café paulista e o leite mineiro cuja produção excedente era comprada pelo governo. No caso do café, para se manter os preços no mercado internacional, queimava-se o que era produzido a mais. Pouco se fazia pelo povo e pouco pensava no povo. A política do café com leite promovia as eleições cujo voto precisava ser assinado pelo eleitor, ou seja, quem votasse contra um político próximo poderia ser descoberto. Era o voto de cabresto, sempre acompanhado das denúncias de fraude. O Partido Republicano Paulista – PRP, não tinha sequer um programa e atuava unicamente em benefício dos agricultores.

Nesse tempo, para se ter uma ideia de como a participação popular era diminuta, apenas 5% da população tinha direito ao voto. Na época da República Velha não havia grandes expectativas de progresso pessoal nem mesmo para a classe média que sem oportunidade de empregos via seus filhos seguirem para a carreira eclesiástica ou a carreira militar, daí a quantidade de tenentes, oficiais de menor patente mas em maior número que os oficiais mais graduados integrantes da burguesia.

Em 1929 a Bolsa de Nova York quebrou e o abalo na economia afetou os preços do café aumentando ainda mais o desemprego e a fome, especialmente no nordeste. Os fazendeiros de São Paulo se desentendem com os de Minas e Washington Luiz decide que o seu sucessor seria um outro paulista, Julio Prestes, mas os tenentes e os demais militares considerados praças, como – sargentos, cabos e soldados, que já haviam tentado destituir o governo, nos levantes de 1922 e 1924, se insurgem novamente, dessa vez dominando quartéis no Brasil todo. Washington Luiz acaba destituído e enviado ao exílio e em seu lugar os tenentes colocam aquele que havia enfrentado os republicanos no pleito vencido por Júlio Prestes e perdido numa eleição considerada fraudulenta. Seu nome: Getúlio Vargas.

Em São Paulo o PD – Partido Democrático que fazia oposição ao PRP – Partido Republicano Paulista apóia Getúlio que desfila em carro aberto pela cidade deixando nos integrantes do PD a esperança de que ele nomeasse para o governo do Estado um integrante do partido, o professor Francisco Morato. Em vez disso Getúlio nomeia como interventor, João Alberto, um tenente pernambucano, deixando irritados os liberais paulistas.

João Alberto coloca seus colegas, tenentes de outros Estados, em cargos importantes do funcionalismo, abusando do poder e constrangendo pequenos comerciantes com atitudes como ir a uma barbearia e não pagar pelo serviço por ser do governo. Os nomeados por João Alberto costumeiramente almoçavam em restaurantes nobres e depois penduravam a conta em nome da revolução de 1930. Getúlio Vargas seguia governando por decretos, sem casas legislativas e sem uma constituição.

Em 1º. de janeiro de 1931, uma quinta-feira, o jornal O Estado de S. Paulo publica um editorial propondo a realização de uma assembleia constituinte lembrando que já era hora do país retomar a normalidade democrática. Getúlio responde ao jornal através de um porta – voz de sua confiança, Juarez Távora, e diz que ainda era cedo para isso porque os antigos republicanos poderiam reacender a manipulação das eleições acrescentando que os paulistas só pensavam em si e não no Brasil. Ao atacar São Paulo, o porta – voz uniu os paulistas contra os tenentes e contra Getúlio. Estudantes da faculdade de direito passaram a promover comícios propondo uma constituição e João Alberto deu início à repressão, tendo o cuidado antes de retirar as armas dos quartéis de São Paulo para evitar uma reação.

As propostas constitucionalistas ganharam adeptos no Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. O Partido Democrático rompeu com Getúlio e criou uma frente única propondo um governador paulista. Em 25 de janeiro de 1932 houve um grande comício na praça da Sé e em várias partes do país havia descontentes porque os tenentes estavam mandando mais que os generais. No Rio Grande do Sul e em São Paulo se iniciaram mobilizações visando a retirada de Getúlio do poder.

Em São Paulo os generais Isidoro Dias Lopes e Euclides Figueiredo articulavam com o general Bertholdo Klinger, do Mato Grosso, um plano para destituir Getúlio. No Rio Grande do Sul, o general Flores da Cunha prometeu enviar tropas em apoio e o governo de Minas Gerais anunciava que também enviaria tropas contra o ditador. Essas informações chegaram até o gabinete de Getúlio que prometeu eleições e uma constituinte para o ano seguinte, mas já era tarde. Em 22 de maio, estudantes se municiaram de armas e se dirigiram à Praça da República para invadir a sede política dos tenentes que ali ficava.

Houve tiroteio e a batalha terminou na madrugada do dia 23 maio com quatro corpos de estudantes estendidos na calçada da Praça da República com a Rua Barão de Itapetininga, eram os de Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo. Um deles tinha apenas 14 anos. Houve comoção popular e já no dia seguinte foi criado o movimento MMDC, com as iniciais dos estudantes, tendo por missão conclamar as pessoas à guerra por uma constituinte já.

A data marcada para o ataque era 14 de julho, data da revolução francesa, mas como Getúlio destituiu o general Klinger do comando no Mato Grosso, Isidoro sugeriu se antecipar o ataque, mas se temia que não desse tempo dos gaúchos e mineiros chegarem a tempo, porém a tese de Isidoro acabou prevalecendo.

Alguns jornais passaram a anunciar que haveria guerra e a convocar os jovens paulistas para o alistamento e a adesão foi total. O historiador Hernâni Donato, conta no livro “Breve História da Revolução Constitucionalista” que até as jovens solteiras conclamavam à luta dizendo a seus noivos ou namorados, “Quem não vestir a farda, deve então vestir uma saia”. Houve mais de 200 mil inscritos, muitos jamais haviam sequer pego em uma arma, mas foram com coragem e disposição, como verdadeiros heróis.

Depois de iniciada a luta as mulheres residentes em São Paulo, em número acima de 100 mil, ofereceriam serviços às organizações de apoio, como por exemplo, na costura dos uniformes dos voluntários e na confecção de agasalhos, pois o inverno de 1932 foi dos mais rigorosos, além dos trabalhos de enfermagem. Foram mais de 440 mil fardas confeccionadas de graça, com as costureiras se revezando em turnos diurnos e noturnos à frente de 800 máquinas de costura. A Associação Comercial se mobilizou na manutenção dos salários às famílias dos voluntários em guerra.

Na madrugada de 9 de julho tropas comandadas pelo general Euclides Figueiredo seguem até a divisa entre os Estados de São Paulo e Rio de Janeiro bloqueando o túnel ferroviário e impedindo a passagem do Rio para São Paulo e ali ficam esperando o reforço das tropas que viriam em apoio, do Rio Grande do Sul e de Minas Gerais. Getúlio revida determinando a interdição do Porto de Santos e impedindo a chegada ou a saída de qualquer tipo de embarcação ou mercadoria, ao mesmo tempo em que negociava no sentido de demover os comandantes militares dos outros Estados da ideia de se associar ao movimento constitucionalista de São Paulo.

O noticiário de guerra dava conta aos jornais de São Paulo que a cada dia os paulistas avançavam na direção do Rio de Janeiro, mas Hernâni Donato, em seu livro, registra que as notícias eram estranhas – na verdade inverídicas – porque citavam avanço das tropas mas ou se andava em círculos ou se recuava. “Um dia diziam que os soldados paulistas estavam no município de Lavrinhas, outro dia em Piquete, não havia na verdade um avanço efetivo”, escreve Hernâni. Verdade é que o general Euclides Figueiredo cometeu um erro estratégico ao conduzir as tropas até a divisa com o Estado do Rio de Janeiro e ali ficar parado aguardando pelos gaúchos e mineiros. Isso deu tempo a Getúlio de se articular e armar o contragolpe.

A Rádio Record seria a porta-voz dos paulistas na revolução, com as narrações de notícias escritas por Guilherme de Almeida tendo ao fundo a marcha Paris Belfort, escolhida aleatoriamente pelo técnico de som, virando depois um símbolo da revolução constitucionalista. As tropas provenientes de Minas Gerais chegaram como se esperava, mas atirando nos paulistas, pegando-os pelas costas e de surpresa, o mesmo acontecendo em Itapeva e Buri, no sul do Estado, diante de forças gaúchas. Houve ataques também em outras localidades do interior paulista por tropas provenientes do Mato Grosso e aviões chegaram a bombardear o Campo de Marte impedindo a saída da pequena aviação pertencente à Força Pública. A população começou a ficar temerosa com o risco da cidade de São Paulo ser bombardeada como já acontecera na Revolução de 1924. Ao final as tropas federais, entram por São José do Barreiro, atacam as trincheiras tomando para si o controle do túnel ferroviário. Não havia mais o que fazer, São Paulo perdia a guerra nas armas.

Em 3 de outubro de 1932, uma segunda – feira, o Estadão publicava em primeira página os termos de um armistício que punha fim à guerra. Ao lado, na primeira página do jornal, o governador aclamado pelos paulistas, Pedro de Toledo, publicava uma mensagem onde explicava: “Tudo o que e se pôde fazer foi feito, até uma moeda paulista foi emitida quando os recursos federais foram cortados…” Uma campanha com valores em ouro de fato foi feita para dar valor ao novo dinheiro emitido durante a revolução: “Ouro para o bem de São Paulo”, se chamou o movimento. Após a revolução, o que sobrou desse montante arrecadado se aplicou na construção de um prédio no centro da cidade, existente até hoje, cujo formato lembra o da bandeira paulista. Ao final todos os que comandaram a revolução foram exilados.

Mas o ideal constitucionalista ultrapassou as fronteiras do Estado e o país passou a exigir uma posição do governo a esse respeito. Por isso é que se diz que São Paulo não venceu nas armas, mas venceu nos ideais. Isto é verdade. Foram aproximadamente mil mortos na revolução, mas somente 634 foram devidamente identificados. Em 1934 o Brasil ganharia uma Constituição que assegurou o voto secreto com dignidade e o direito de voto à mulher.

Para entender o sentido daquela revolução é importante lembrar que, até então, não se sabia no Brasil o que é democracia, daí o histórico que fizemos desde a Monarquia até fim da República Velha. Quando pensarmos em democracia, transparência, cidadania e estado de direito estaremos seguindo os ideais da revolução constitucionalista. Sempre que aparecerem coisas que não seguem esses princípios, estaremos fora do sentido democrático da transparência. Por isso procuro sempre lembrar a frase do poeta Paulo Bomfim: “A trincheira de 32 foi a pia batismal da democracia em nossa terra”.

Fonte: Externa