Quem nunca quis mandar uma mensagem para alguém sem correr o risco de ferir seus sentimentos? Para algumas pessoas, uma canção é a melhor forma de dar
Quem nunca quis mandar uma mensagem para alguém sem correr o risco de ferir seus sentimentos? Para algumas pessoas, uma canção é a melhor forma de dar um toque amigo — ou, às vezes, deixar um recado bem claro. E uma playlist pode ser uma opção ainda melhor. Foi assim que as redes sociais foram inundadas nos últimos meses de listas de músicas com temas (e memes) variados, como “lave as axilas” ou “30 anos e camisa da Renner”.
Claro, ao longo das décadas, coleções musicais sempre ajudaram na expressão humana, sobretudo da juventude – desde mixtapes (as famosas fitinhas) nos anos 1980 aos CD-Rs e pendrives dos anos 2000. No entanto, isso quase sempre foi um agrupamento focado em algum gênero musical ou até algum sentimento (músicas tristes ou alegres). Agora, as playlists estão indo além, emprestando da cultura de memes nas redes sociais infinitas possibilidades de expressão.
O Spotify foi uma das plataformas que percebeu esse potencial e a demanda por playlists que pudessem mandar um recado por si só. A companhia montou uma equipe especializada em criar listas de músicas com temas divertidos, que trazem títulos que só funcionam na internet brasileira.
Segundo a empresa, desde que começou a conversar mais com os usuários por meio dessas listas, o engajamento nas redes sociais apresentou resultados expressivos: as playlists baseadas em memes de verão juntas produziram em média 250 mil streams diários nos meses de janeiro e fevereiro. Nesse rol, estão coleções como a “Use fio dental”, “Conchinha só se for do mar” e “Pode vir quente”.
Foi uma sacada que a plataforma teve ao observar o comportamento dos próprios usuários. Em uma trend recente nos Stories do Instagram, os usuários passaram a postar os nomes de algumas de suas playlists criadas no Spotify.
Lá, era possível garimpar pepitas como “Korn: o melhor do milho”, em referência aos pioneiros do Nu Metal. Outra era “eu nem te conheço mas eu te amo???”, que sugere baladas românticas para ouvir quando bate saudade. Há ainda a playlist “vivendo em cima de um touro mecânico”, que é uma mistura de músicas alegres e tristes, representando os altos e baixos da vida.
Essa última foi criada por Gabriela Batista, 26, que se inspira em momentos diários para construir as listas de músicas. A redatora também é autora de uma playlist feita para relaxar — em seus próprios métodos: a “ASMBerro”, que traz o estilo metalcore com diversas bandas em uma brincadeira com o fenômeno ASMR, que usa sussurros e barulhos sutis para aliviar o estresse.
“Geralmente (a playlist) é por temática e por intenção. Tem desde a playlist que eu sei que vai abraçar a ‘fossa’, até o setlist de um show que eu fui. A (playlist) ‘vivendo em cima de um touro mecânico’, por exemplo, tem músicas felizes e tristes porque a vida é isso”, afirmou Gabriela em entrevista ao Estadão.
Quem também é adepta das playlists temáticas é Mayana Cidreira Palmeira, 31. A soteropolitana criou a coletânea “olhando pro nada e pensando em tudo” para descrever como se sente às vezes.
“Eu sou bem eclética musicalmente, mas tive períodos da minha vida que fui mais inclinada a certos gêneros e senti um pouco a necessidade de dividir isso lá no Spotify. Acho que foi uma forma bem-humorada de categorizar e diferenciar cada período sem ser tão ‘básica’. Tentei fazer de uma forma que conversasse mais com a minha personalidade”, explicou Mayana.
Como o Spotify entrou na história
Logo, o Spotify percebeu que poderia participar editorialmente dessas playlists que envolvem memes, indiretas e muito humor. De acordo com Rodrigo Azevedo, editor de música no Spotify Brasil, a ideia de fazer uma equipe apenas para olhar para essas playlists veio de um comportamento que a empresa identificou ser parte específica do comportamento digital da internet brasileira
“Percebemos que os usuários não queriam somente listas de top músicas de algum gênero ou a favorita de algum gênero ou de algum artista específico. Eles queriam tendências baseadas em seus comportamentos e personalidade. Muitas vezes utilizam de humor, se baseiam no que está acontecendo no mundo, nas redes sociais e conseguem traduzir isso de uma forma bem única”, afirma Azevedo ao Estadão.
As playlists de verão da plataforma, por exemplo, foram inspiradas em situações comentadas nas redes sociais e renderam likes, comentários e compartilhamentos. A empresa informou que a lista “use fio dental” teve média diária de 20 mil streams e a “pode vir quente” registrou 13 mil streams por dia.
Para todos os momentos
Em alguns casos, as playlists tem duração definida e saem da plataforma depois de algum tempo. Para Azevedo, essa estratégia é uma forma orgânica de fazer as listas caminharem junto com o que o usuário está consumindo e produzindo no seu dia a dia nas redes sociais, sejam memes ou só a boa e velha piada.
“Algumas não são necessariamente sobre algum meme, mas tentando trazer um pouco de humor no título também. Uma delas, por exemplo, era a “botando pernilongo pra nanar”. A gente sabe que nessa época tem geralmente um aumento de pernilongos e que é um incômodo, então criamos uma playlist com sons para dormir”, explicou Azevedo.
Tatiane Souza, 26, segue essa mesma lógica para criar suas playlists e uma delas chama a atenção: “30 anos e camisa da Renner”. A brincadeira vem do meme das camisas listradas de botão que entraram na moda há alguns anos entre homens jovens – muitas vezes, ela é, ainda, considerada um item da cultura “hétero top”.
“Eu estava fazendo a playlist normalmente e tive o pensamento de: ‘nossa parece música que homem de 30 anos com camisa da Renner escutaria’. É bem orgânico mesmo. Às vezes, o nome surge antes da playlist”, afirmou Tatiane. A coletânea tem músicas como “Still Take You Home”, da banda Arctic Monkeys, “Make It Wit Chu”, do Queens of the Stone Age, e “Why Don’t You Get A Job”, do grupo The Offspring.
Uma outra lista do Spotify nessa mesma ideia que fez bastante sucesso foi a “lave as axilas”. “Talvez não seja nem para escutar. A graça da playlist está nos títulos das músicas, que são todas palavras relacionadas ao banho”, apontou Azevedo.
Mayana, assim como Gabriela e Tatiane, escutam e compartilham não só as suas próprias listas, mas também as criadas pelo Spotify. “A gente viu que, nas redes sociais, tinha uma galera comentando sobre as playlists e enviando para os amigos como indireta. Então a gente quer fazer parte dessas conversas”.