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“Eu já aviso quem produz leite em confinamento que nossas médias [de produtividade por vaca] são baixas, mas esse não é o nosso forte. O nosso forte é dinheiro no bolso”. Foi assim que o gerente executivo da Fazenda Kiwi, Azael Rössler, começou a apresentação do empreendimento rural para os mais de 300 produtores de leite que participaram do 4º Circuito Nature por Ninho, organizado pela Nestlé, na própria Kiwi, em Silvânia (GO).
A fazenda, de 240 hectares sendo 190 de uso efetivo e com mais de 1.600 vacas em ordenha, é uma das cinco no Brasil que recebeu a classificação diamante do programa de boas práticas da cadeia leiteira desenvolvido pela Nestlé. Nessa categoria, os produtores que conseguem comprovar redução na emissão de carbono recebem uma bonificação sobre o leite vendido à empresa.
O programa também leva em consideração outros três pilares: bem-estar animal, agricultura regenerativa e economia de água. A partir do nível de práticas sustentáveis aplicadas na propriedade, os produtores fornecedores da empresa recebem uma classificação e consequentemente um “plus” na venda do leite. Os níveis são: bronze (R$ 0,05 a mais por litro de leite), prata (R$ 0,10), ouro (R$ 0,15) e diamante (R$ 0,17).
Para atingir esse padrão, a Kiwi adota algumas estratégias que aliam gestão e sistema de produção, como conta Rössler. “O nosso objetivo aqui não é ter uma produção maior por vaca e sim ter uma maior eficiência. Essa eficiência é encarada de uma outra forma, com o sistema que a gente adota”, revela.
Gado a pasto e feliz
Atualmente a propriedade consegue produzir em média 34 mil litros de leite diariamente. O modelo adotado é o sistema de leite à base de pasto com suplementação. Basicamente as vacas são criadas soltas no pasto sendo que em alguns momentos do dia são ofertadas alimentação extra nos cochos.
Esse sistema é entendido como um princípio para a fazenda já que os investidores do Grupo Kiwi, que controla a propriedade, são da Nova Zelândia e entendem que o modelo neozelandês de produção de leite tem melhor resultado. O que acontece no Brasil é uma adaptação, já que as temperaturas, a genética bovina e as condições de mercado são diferentes.
O pasto dos 73 piquetes tem como cultura perene o capim tifton. O que modifica no decorrer do ano é a composição do mix forrageiro plantado para melhorar a produtividade do solo e do capim. Basicamente, de novembro a março os pastos tem tifton, trigo mourisco e feijão mungo. De abril a outubro as vacas podem se alimentar de tifton, trevo, azevém e aveia.
O gerente operacional da Kiwi, Lenon Sedrez, esclarece que essas trocas são importantes para dar mais força ao tifton, que é o principal alimento do gado. No caso do mix de verão, as plantas extras ajudam na descompactação do solo e também na fixação de nitrogênio. O mix de inverno tem também a função de ajudar na alimentação das vacas.
“A gente já entra com essas espécies escalonando o plantio para ter o máximo de crescimento forrageiro no inverno, que é o período que o tifton vai decrescer o crescimento”, explica Sedrez. Além disso, a prática do plantio direto é adotada em ambas as etapas de semeadura, ou seja, não se passa um arado pelo pasto. Outro benefício é a captura de carbono por meio das raízes dessas plantas, que ficam no solo.
Outra prática utilizada pela fazenda é a irrigação. Os pivôs têm a função de levar água às pastagens, o que as mantêm mais verdes e saudáveis em tempos de estiagem. A outra finalidade é ajudar na regulação térmica das vacas, que ficam debaixo das estruturas de irrigação.
Também com o intuito de gerar mais conforto para os animais e aproveitar os espaços, foram instaladas estruturas de captação de energia solar. O gado aproveita a sombra das placas, que captam energia para reduzir o custo da fazenda.
Duas estratégias proporcionais: leite e custo
Enquanto o leite está barato, o custo de alimentação também deve estar barato. Essa pode ser entendida como uma regra para o sucesso da gestão da Fazenda Kiwi. O gerente executivo, Azael Rössler, conta que eles utilizam duas estratégias para ganhar margem no negócio: curva de lactação programada e custos flutuantes.
A primeira consiste em aproveitar os meses que historicamente o preço do leite tem valores mais elevados. “A gente coloca os nossos animais para parir num certo período (de fevereiro a novembro), onde eu consigo atingir um pico de produção de leite maior, nos períodos que historicamente se tem o maior preço do leite no mercado (setembro e outubro)”, aponta Rössler. Para isso, eles utilizam da estação reprodutiva que é a delimitação do período de inseminação das vacas, que vai de maio a fevereiro na propriedade.
Já o custo flutuante é manter os gastos em sintonia com os preços do leite, ou seja, se o preço cai, o custo de alimentação também deve cair; se os preços sobem, há espaço para os custos subirem. Na prática, no período das chuvas, em que o valor do leite costuma cair, eles conseguem reduzir custos aumentando a oferta de pasto.
“Muitas propriedades têm um custo fixo e não conseguem flutuar da mesma forma que o leite flutua. O nosso sistema permite flutuar o custo também. Então a nossa propriedade consegue manter a mesma margem de lucro em todos os meses do ano. Isso é justamente para ter o máximo custo-benefício e eficiência na parte financeira”, explica ao Agro Estadão.
Otimização de recursos e sustentabilidade
Os níveis de sustentabilidade atingidos pela Kiwi dentro do programa Nature por Ninho também levam em consideração outras práticas adotadas pela fazenda. Além do plantio direto e das placas solares, os animais são monitorados por uma coleira que oferece informações sobre o bem estar do animal e do desenvolvimento dele.
A propriedade também tem uma iniciativa de reflorestamento de áreas degradadas e que não são utilizadas. Além disso, há gestão e monitoramento do consumo hídrico com mais de 15 hidrômetros espalhados pelo terreno.
Já na área dos dejetos, as pistas de alimentação – onde ficam os cochos – são raspadas e não lavadas. Todo esse resíduo é coletado e tratado. A parte líquida volta para o pasto de forma mais constante e a parte sólida é utilizada nos momentos de plantio, também como reforço na adubação. “A gente está fazendo com que esse material que a gente está colhendo do campo, seja devolvido para o campo”, explica Lenon Sedrez, gerente operacional da fazenda.
Todas essas medidas juntas conseguem reduzir em 27% a emissão dos gases do efeito estufa (GEE) da Kiwi, de acordo com a mensuração feita pela Nestlé. A meta da empresa de laticínios é que as fazendas que estejam no nível diamante deixem de emitir 30% desses gases até 2030.
Mercado vê sustentabilidade como necessidade e não como tendência
No entendimento da Nestlê, a sustentabilidade já não é mais uma questão de tendência a ser adotada, mas sim uma necessidade.”Uma convicção que a gente tem aqui é que quem não se engajar nessa jornada não vai conseguir sobreviver seja por um aspecto regulatório ou de gestão”, alerta Fabio Spinelli, vice-presidente de Nutrição da Nestlé Brasil.
Atualmente, a multinacional capta cerca de 1 bilhão de litros de leite fresco por ano no Brasil e a operação nesse modelo é a maior de todas se comparada com as outras unidades pelo mundo. A nível nacional, a Nestlé é a quarta maior empresa de laticínio no país e tem aproximadamente mil produtores de leite brasileiros como fornecedores.
Para o futuro, a empresa enxerga que as exigências do programa Nature por Ninho podem se tornar um padrão. “O nosso objetivo é que o que hoje é diferencial, como a questão de agricultura regenerativa e baixa emissão de carbono, lá na frente vire um pré-requisito básico, um padrão mínimo para os produtores”, enfatiza Spinelli ao Agro Estadão.
*Jornalista viajou a convite da Nestlé